O
livro Naufrágios, escrito por Álvar Núñes
Cabeza de Vaca, é uma crônica feita a partir de seus relatos
enquanto esteve na região da Flórida, hoje pertencente aos Estados
Unidos e a região da Nova Espanha, onde agora é território
Mexicano.
Cabeza
de Vaca nasce na Europa, mais precisamente em Sevilha, no ano
aproximado de 1492 e parte em direção ao Novo Mundo em 1527. O
autor abandona sua vida como soldado e embarca com mais 600 homens em
uma expedição que chega na Flórida no ano seguinte, em 1528 por
ordem de D. Carlos I (1516 – 1556). Todos
chegam ao novo continente para reconhecimento territorial e,
principalmente, para encontrar riquezas.
O
livro de Álvar Núñez são relatos de viagens baseados em suas
experiências enquanto náufrago europeu que passa anos sobrevivendo
em meio a nativos norte americanos. Cabeza de Vaca descreve os
costumes dos índios e escreve sobre sua sobrevivência como homem
branco em terras distantes, porém sem uma precisão técnica ou
científica. Ele não analisa a partir de uma visão antropológica,
bem como também não há uma datação nem localidade específica.
A
escrita do livro não é feita através de manuscritos, visto que o
autor perde todos os seus pertences básicos – incluindo as
próprias vestimentas – e passa a viver de maneira natural como os
nativos. O próprio autor passa a se comparar a cobra, que troca o
couro duas vezes por ano, em alusão as roupas que pouco passa a usar
(pág. 68). Dessa maneira, o livro só é escrito quando o autor
retorna à Espanha, em 1537, feito sob uma perspectiva de um servil
que relata seus serviços para o rei.
A
partir da análise dos escritos de Cabeza de Vaca, podemos
identificar diversas características que são importantes para a
compreensão geral do livro. Sobre isso, Cabeza de Vaca constrói um
retrato da cultura indígena descrita, mas também da sua própria
cultura como observador, característica que pode ser vista
indiretamente no texto. Nesse ponto é possível ver traços de
alteridade, pois quando Cabeza de Vaca vê o outro e sua cultura, ele
passa a pensar sobre si mesmo como indivíduo.
Os
nativos por terem uma relação diferente com a escrita acabam tendo
sua história contada pelo colonizador, ou seja, o autor toma como
referência sua cultura para nomear, classificar e julgar o modo de
vida desses povos. Muitas das imagens contidas no livro possuem uma
perspectiva da imaginação e da observação de alguém que chega
como colonizador, como quando o autor julga os índios pobres por
serem pescadores (pág. 28). Porém,
no decorrer da leitura, é possível ver uma mudança dessa
perspectiva por parte de Cabeza de Vaca, quando ele passa a não mais
se referir como cristão e se torna um ser à
parte naquele cenário (pág. 59).
Essa
mudança de um pensamento baseado nas convenções da Europa para de
um pensamento emergido no
outro só é possível devido ao contexto em que o autor se
encontrava: como um sobrevivente em meio aos índios. Cabeza de Vaca
presso na terra em que fora procurar por recursos que rendesse
fortuna à coroa viu com o passar do tempo mudanças de hábitos
radicais em sua vida. Como quando se alimenta de animais de maneira
incomum; cavalos (pág. 26), restos de carne em couro e até mesmo
cachorro (pág. 68). Álvar Núñez muda até mesmo sua função de
tesoureiro e passa a ser um curandeiro (pág. 45), seguido e adorado
por milhares de índios de diversas tribos (pág. 86).
Apesar
de não ter uma intenção antropológica, o autor também acaba
descrevendo seus relatos em uma linguagem muito imparcial e
detalhista sobre os povos que ele conhece. Ele se refere aos índios
como eles próprios se nomeiam: são os Apalache (pág. 10), os Autes
(pág. 22). Outro exemplo é descrição
sobre
o ato de dar uma flecha como sinal de amizade (pág. 36) e sobre
uma relação homossexual entre índios de uma determinada tribo
(pág. 77). Contudo, há uma nomeação dos lugares a partir da visão
do próprio autor (colonizador),
como quando em meio a fome, muitos de
seus companheiros de embarcação morrem e passam a comer uns aos
outros e Cabeza de Vaca nomeia o local onde aquilo ocorre de Ilha do
Mal Hado (pág. 40). Certamente o local teria um nome diferente para
os nativos.
Ao
fim da leitura, o que podemos observar é a abertura
à mudança de
perspectiva por
parte do
autor em relação ao seu papel inicial como colonizador, bem como
também os nativos passam a vê-lo de forma diferente (como uma
pessoa confiável e diferente de outros brancos). Dessa maneira,
Cabeza de Vaca se torna um ser híbrido, bem como também sua
escrita. Aculturado
pela vivência com os índios,
ele se propõe a um discurso ambíguo e mais horizontal, diferente do
momento de sua chegada naquela terra e do início de seu livro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
COMENTE E DEIXE SUA OPINIÃO!