quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Análise crítica do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos

análise crítica de vidas secas, de graciliano ramos 

        

O livro - Vidas Secas


Vidas Secas conta a história típica da migração, mas especificamente, no contexto brasileiro do retirante. Para contar essa história, o autor se utiliza de diversos recursos linguísticos, que vão desde o próprio nome do livro às características dos personagens e o ambiente onde toda essa narrativa ocorre. 

A vida dos personagens do livro se passa no território nordestino brasileiro, em que a predominância da caatinga, da pouca vegetação e da seca são características marcantes. Daí o nome do livro Vidas Secas. Porém há de salientar que a mensagem do autor vai muito além do contexto do sertão, senão também é um modo de refletir sobre nossas próprias vidas. 

Essa história é contada a partir de um grupo familiar, cuja pouca informação se tem de suas características físicas e de personalidade. São eles: Fabiano, Sinhá Vitória, a cadela Baleia, o papagaio e as crianças. Não há sobrenomes, nem descrição detalhada da aparência desses personagens. A não ser por Fabiano, a quem o autor muito descreve. Dessa forma, Graciliano se utiliza de recursos linguísticos que nos remete o imaginário sobre esses personagens. 

Nos deixa também, a necessidade de busca de um entendimento mais detalhado sobre sua obra. Essa necessidade de significação/simbologia ocorre no título, no nome dos personagens e em cada uma das ações insólitas no decorrer da história. 

 

Análise Crítica


A começar pelo título, podemos descrever um oximoro. Vidas Secas é um oximoro porque nos indaga a pergunta de como pode haver vida em um lugar seco? Vida é uma palavra que nos lembra ‘florescer, água’. Já seca, é uma palavra que nos lembra ‘sertão’, morte’. Havendo, dessa forma, uma exclusão de ideias própria de um oximoro. 

O nome dos personagens são também uma contradição/antítese. Fabiano é um nome que tem origem no latim ‘Faber’, aquele que constrói, porém Fabiano nada constrói. O nome sinhá (Vitória) significa patroa; aquela que possui algo, tem poses, mas ela nada tem. Sinhá Vitória não tem nem mesmo a cama de couro que tanto sonha e que Fabiano não pode construir nem comprar. A cadela Baleia não é grande nem gorda. 

Podemos observar também aspectos de humanização dos animais. No caso da cachorra Baleia, por exemplo, não lhe é atribuída uma distinção de comunicação entre ela e os demais componentes da família durante a narrativa do livro. Ela de fato tem um papel importante e “dialoga” o tempo todo na história, tendo inclusive um capítulo próprio. Ou quando Fabiano chama a si mesmo de bicho, comparando-se à Baleia. Além do papagaio louro que apresenta vícios humanos, como o gaguejar. 

Esse louro sabe apenas falar duas frases: “meu louro!” (gaguejando) ou imitar o latido da cachorra. O animal sabe apenas falar aquilo porque ele não tem mais referências, pois seus donos quase não se comunicam entre eles. A falta de comunicação entre a família reflete na forma como o próprio animal também se expressa: o papagaio não tem um vocabulário extenso porque seus donos também não o tem

A partir daí, podemos analisar outro recurso utilizado pelo autor para descrever o modo de vida dos personagens: a incomunicabilidade, a falta de troca e de conversa. Sendo muitas vezes a fala expressada através de grunhidos como “Iche!” ou do se expressar na máxima sutileza com um ave-maria baixinho. É também através das atividades e ações solitárias que os personagens realizam sempre sem o outro, como quando Fabiano fala sozinho em volta da fogueira dentro de casa, mesmo estando todos presentes no local. 

Há sempre grandes períodos de tempo em que não há falas diretas. Podemos notar poucos travessões no decorrer dos parágrafos. Essa forma como o autor se utiliza do discurso indireto para narrar a história também reforça a ideia de solidão e a incomunicabilidade dos personagens. 

Outro aspecto que nos remete também a ideia de solidão é a unicidade dos objetos e dos atos dos personagens. Sinhá Vitória reza apenas uma ave-maria e vai consertar um buraco na cerca. Depois atravessa o cercadilho e se depara com a vaca. Apanha uma brasa, acende o cachimbo, dá uma cusparada e reflete sobre a cama de couro que tanto quer. Vai ao canto e pega o pote. Há nesses trechos uma analogia dos elementos; os objetos e os atos unitários refletem essa solidão e também a escassez. Essas imagens são usadas para nos criar um ambiente de pesadelo

Fatos inconvenientes estão sempre acontecendo, como quando a sinhá Vitória tem que ir consertar o buraco na cerca. O desejo de ter a cama que lhe é interrompido quando a cusparada não alcança a distância necessária. O sofrimento sobre a seca que o mormaço da terra queimada lhe recorda. O desgosto de encher o caneco de água para matar a sede e vir água salobra. 

Essas situações que acontecem e vem sempre acompanhadas de problemas mostra a vida infernal que os personagens têm e cria esse ambiente de pesadelo através de ações e objetos insólitos. Outro aspecto da narrativa é o uso do pretérito imperfeito, que nos leva exatamente a esse mundo do imaginário e do atemporal. Não se sabe quando tudo acontece. Há uma continuidade da história desses personagens que passam sempre por dificuldades e problemas recorrentes. Há sempre um desconforto, um descontentamento; as coisas nunca dão certo. Além da busca constante de algo que nunca se alcança

As imagens insólitas também reforçam essa ideia de imaginário e sonho. O ato de ir consertar um chiqueiro de cabras e se debater com uma vaca amarela. O esfarelar a pele de fumo para o cachimbo de barro e o apanhar de uma brasa com a colher. O ato de chupar sarro de um canudo de taquari e beber água salobra. Ter que pegar um pote no canto junto a uma forquilha de três pontas. Essas ações e imagens não fazem parte do nosso cotidiano e a compreensão/leitura se torna às vezes até difícil pela linguagem regional expressa através de objetos e palavras como o canudo de taquari, o sarro, o mandacaru, os juazeiros, etc. 

Por fim, Graciliano Ramos nos faz pensar, a partir de sua obra, nossas próprias vidas: a jornada e caminhada por algo, a solidão, a animalidade das pessoas, os problemas e as inconveniências da vida. O gosto amargo e os desprazeres, a incomunicabilidade com o outro e a fuga. Tudo isso sob uma perspectiva complexa e surreal de personagens simples, vivendo algo que parece estar entre o sonho e o pesadelo. 



Bibliografia: RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 31.ed. São Paulo: Martins, 1973.

7 comentários:

  1. Muito boa a análise da obra! Cita fatos importantes e que podem passar despercebidos na leitura! Adorei e boa sorte ;)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Para mim esse é um livro bem escrito, agradável de ler e com possibilidade de muitas análises. Boas leituras pra ti, abraço!

      Excluir
    2. MENTIRA é muito CHATO!

      Excluir
    3. Se você não sabe a diferença, entre, o livro bom e cultural não tenho culpa mas guarde sua opinião pra você mesmo é o melhor a fazer.

      Excluir
  2. Um livro que se apronfunda nos senarios de hoje e nos trás uma reflexão sobre a falta de comunicação com o outro.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moça "senarios" se escreve assim C-E-N-Á-R-I-O-S. A língua portuguesa agradece! Beijos anjo rs.

      Excluir
  3. Calma galera. Respeita o coleguinha e sejam solidários. xD

    ResponderExcluir

COMENTE E DEIXE SUA OPINIÃO!